Workslop em saúde digital: a ameaça invisível que mina valor
- Marco Bego

- 1 de out.
- 2 min de leitura

Escrevo hoje sobre uma expressão que surgiu em um estudo da BetterUp Labs, em colaboração com o Stanford Social Media Lab, e publicada na Harvard Business Review: workslop. O termo já ecoa em veículos como TechCrunch, CNBC e Business Insider e descreve um fenômeno cada vez mais presente no ambiente de trabalho: conteúdos ou tarefas produzidos por IA que parecem sofisticados, mas carecem de substância real, consumindo tempo e energia sem gerar valor.
Segundo os dados levantados, cerca de 40% dos trabalhadores entrevistados disseram ter recebido workslop no último mês. Cada instância demandou em média quase duas horas de retrabalho. Em escala, o impacto é enorme: em uma empresa de 10.000 funcionários, o desperdício pode chegar a US$ 9 milhões por ano em produtividade perdida. A crítica é clara: a IA não substitui diretamente o trabalho, mas pode gerar uma avalanche de tarefas superficiais que acabam ocupando o espaço do trabalho real.
Na saúde, o risco do workslop é ainda mais sensível. Relatórios clínicos superficiais, resumos de prontuário gerados sem contexto, alertas falsos em sistemas de apoio à decisão, tudo isso não só reduz eficiência como pode comprometer a segurança do paciente. Em vez de aliviar a sobrecarga, soluções mal desenhadas acabam gerando retrabalho para médicos e técnicos, aumentando a frustração e criando desconfiança em relação à própria tecnologia.
Estamos no início da adoção da IA em hospitais brasileiros, e isso significa que temos uma oportunidade de aprender com os erros já relatados em outros países. Nos Estados Unidos, médicos contam que perdem tempo revisando notas clínicas automatizadas que não trazem ganho real. No Reino Unido, discute-se como medir o “valor agregado” das aplicações de IA para evitar desperdícios. Em países asiáticos, sandboxes regulatórios vêm sendo usados para separar o que tem impacto verdadeiro do que é apenas barulho digital. Esses exemplos mostram que o problema não é exclusivo de uma região e oferecem aprendizados que podemos considerar desde já.
O ponto é que precisamos aprender rápido a diferenciar sinal de ruído. Em saúde, o valor deve ser medido em desfecho clínico, eficiência comprovada e experiência do paciente. A IA pode ser uma aliada poderosa se usada com supervisão humana crítica, interoperabilidade real e foco em utilidade prática. Caso contrário, transforma-se em mais uma fonte de burocracia digital, consumindo recursos já escassos.
Quando leio a frase da CNN “a IA não está substituindo seu trabalho, mas o workslop pode estar” penso imediatamente na nossa realidade hospitalar. Não é o robô que ameaça o radiologista ou o clínico, mas o volume de relatórios e sistemas sem substância que reduzem o tempo disponível para o que realmente importa: o cuidado humano. Evitar essa armadilha não exige discursos grandiosos, mas pragmatismo: avaliar cada solução pela utilidade, rejeitar o que gera ruído e adotar o que entrega valor.
O workslop é um alerta. Ele nos lembra que inovação sem propósito é só barulho. Cabe a nós garantir que a IA, ao entrar na saúde, não se torne mais uma produtora de tarefas inúteis, mas sim um recurso que libera tempo e energia para aquilo que nenhum algoritmo consegue substituir: o cuidado com substância e impacto real.












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