O que revelam os hospitais do SUS no ranking mundial e a crise da Unimed Ferj
- Marco Bego

- 24 de set.
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Atualizado: 1 de out.
O fato de sete hospitais brasileiros do Sistema Único de Saúde terem sido incluídos na lista dos melhores hospitais do mundo, elaborada pela Newsweek em parceria com a Statista, é um sinal inequívoco de que excelência é possível dentro da saúde pública nacional. Entre os destaques estão o Hospital das Clínicas da USP, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre e o Hospital de Clínicas de Ribeirão Preto. Essa conquista reflete décadas de investimento em formação médica, pesquisa científica e governança acadêmica, consolidando esses centros como polos de inovação e qualidade. No entanto, é fundamental reconhecer que essa realidade não é a regra em todo o sistema. A maior parte dos hospitais do SUS ainda enfrenta carência de financiamento, dificuldades de gestão e falta de integração tecnológica. O ranking é um farol de possibilidades, mas também um alerta: a qualidade de ponta permanece restrita a algumas ilhas de excelência.
Essa desigualdade interna levanta um ponto central para a discussão de futuro: como escalar a excelência e distribuir padrões de qualidade de forma mais uniforme no SUS? É nesse cenário que tecnologias como inteligência artificial em saúde, interoperabilidade de dados e robótica podem funcionar como aceleradores de eficiência e equidade. Um hospital de ponta pode testar protocolos baseados em IA para triagem e diagnóstico, mas sem políticas públicas robustas e interoperabilidade sistêmica, esses avanços não chegam à maioria da população. A agenda de inovação precisa, portanto, ser acompanhada de uma agenda de governança e de financiamento que amplie a base e não apenas o topo.
Em paralelo a esse reconhecimento internacional, o noticiário trouxe um contraponto importante: a crise da Unimed Ferj, que deixou pacientes oncológicos sem continuidade de tratamento. Trata-se de um episódio que expõe as fragilidades do modelo cooperativista da saúde suplementar, um modelo que sempre foi visto como mais próximo e humano, mas que não está imune a problemas de solvência e de gestão. Pacientes relataram atrasos em quimioterapia e radioterapia, o que, além de inaceitável do ponto de vista clínico, fere princípios básicos de segurança do paciente e da regulação estabelecida pela ANS.
Essa crise ocorre em um contexto de pressão crescente sobre as operadoras de planos de saúde, que lidam com o aumento exponencial dos custos de terapias inovadoras, maior demanda judicial por cobertura e a necessidade de manter equilíbrio econômico. A questão de fundo é: como tornar sustentável um modelo que precisa conciliar acesso, inovação e solvência? A resposta passa por novos modelos de pagamento, maior transparência na gestão e por uma atuação mais proativa da regulação. Sem esses elementos, episódios de descontinuidade de cuidado podem se tornar mais frequentes, corroendo a confiança no setor.
Quando olhamos para esses dois movimentos — o SUS ganhando reconhecimento internacional em algumas de suas unidades e a saúde suplementar mostrando falhas graves de gestão — percebemos um contraste que deve orientar a reflexão sobre o futuro da saúde brasileira. O SUS, mesmo com todos os seus problemas, demonstra que excelência é viável quando há governança, ensino e pesquisa integrados. Já a saúde suplementar, apesar de mais recursos per capita, mostra vulnerabilidades que ameaçam justamente o segmento que deveria ser o mais ágil em adotar inovação e garantir sustentabilidade.
A lição para o Inova na Real é clara: inovação não pode ser pensada de forma isolada, como se fosse apenas a adoção de novas tecnologias. É uma questão sistêmica que envolve modelos de financiamento, regulação robusta, interoperabilidade de dados e integração entre os diferentes níveis de cuidado. A pauta da inteligência artificial em radiologia, da robótica cirúrgica ou da análise de dados em larga escala só será transformadora se vier acompanhada de estruturas sólidas de gestão e de políticas públicas e privadas capazes de garantir acesso e continuidade.
Olhando para frente, o Brasil tem diante de si duas oportunidades. Primeiro, transformar os hospitais de excelência do SUS em hubs de disseminação de boas práticas, inovação e tecnologias que possam ser gradualmente incorporadas em outros contextos regionais. Segundo, repensar o modelo de negócio da saúde suplementar, para que crises como a da Unimed Ferj não se tornem regra. Isso exigirá diálogo entre reguladores, prestadores, operadoras e sociedade, buscando novos arranjos contratuais que combinem acesso, qualidade e sustentabilidade. O futuro da saúde no Brasil depende da capacidade de aprender com esses contrastes e de construir pontes entre ilhas de excelência e oceanos de necessidade.
Referências: BBC Brasil (15/09/2025), Estadão (15/09/2025), Newsweek/Statista — World’s Best Hospitals 2025 ranking.












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